MR.SPEED: " Fazer rock no Brasil é para quem gosta mesmo".



O Hard/Heavy é um estilo que ainda é difícil de ser difundido facilmente no Brasil, quando praticado por bandas daqui. E tal fato acaba algumas vezes por tornar injustiçado o trabalho de ótimas bandas que tem surgido nos últimos anos. Os paulistas do MR. SPEED é um exemplo desses bons nomes da cena nacional, mas que ainda carece de uma maior atenção. Com uma sonoridade calcada no Hard e mesclada a estilos como o Heavy e pitadas do Stoner, o MR. SPEED faz um trabalho empolgante e convincente. E para levar mais a qualidade do trabalho desses caras ao conhecimento do público, nós tivemos uma conversa com Everton Coroça, um dos fundadores da MR.SPEED, que nos falou  sobre tudo o que a rodeia.

Por Gisela Cardoso: gisagrind@gmail.com


Pólvora Zine: Como a banda surgiu e qual foi a ideia inicial para formá-la?

Everton – Surgiu uns dois anos depois de minha banda (Hard Attack) e da banda de Fernando (Anonimato) acabarem(2008). Sempre fomos amigos, então mostrei umas ideias e demos que já tinha a ele e ele mostrou algumas músicas que havia feito mas não tinha conseguido gravar com sua antiga banda. Então gravamos o "Rock and Roll Solution" (debut álbum do MR.SPEED de 2008) em um mês, mesmo sem ensaiar, pois não tínhamos um baterista no momento, restando a Fernando ter que gravar a bateria do CD também. Um ano depois Rafael Coradi entraria para o MR. SPEED e finalmente nos tornaríamos uma banda.

P.Z: Até o momento, vocês lançaram dois álbuns (“Rock and roll solution”: 2008; “The snake ass”: 2012) e três videoclipes. Como é o processo de composição na banda?

Everton: Geralmente alguém traz algumas partes da músicas e trabalhamos os riffs, solos, e incorporamos novas partes para elas durante os ensaios. Não nos fixamos em um estilo.  Existem até vocais gruturais, solos de baixo, sendo que os três cantam  e todo o material é gravado no próprio equipamento da banda com mesas de som Wattsom, nada muito avançado e sem pressão de terminarmos logo qualquer trabalho. A edição do som é feita pelo Fernando e os vídeoclipes editados por mim. São filmados por nossas namoradas com câmeras de foto ou com a força de alguns amigos que tem um equipamento melhor e nos emprestam quando é possível. Os clipes ficaram bem sinceros e o pessoal tem gostado. Atualmente liberamos um comemorativo de cinco anos (Mr. Speed) com imagens de shows. Em breve sairá o segundo, só que em HD e produzido por um profissional, Fábio Zangelmi, que fez toda a produção filmagem e está fazendo a edição do I’ve Had Enough', música do primeiro álbum regravada e que conta agora com o Rafael Coradi na bateria. Inclusive o Fábio é amigo nosso, e mora há algumas ruas da minha casa.
                                    
P.Z: O segundo disco, “The Snake Ass”, recebeu uma boa aceitação do público. O que vocês acham disso?

Everton  É maravilhoso não só ter seu trabalho reconhecido, mas saber que existem pessoas de bom coração que apoiam a arte de alguma forma. Algumas delas nem mesmo gostavam de rock, mas apoiavam a nossa luta em divulgar uma alternativa fora dos padrões da mídia. Compraram camisetas e CD’s e não foram poucos. Só do “The Snake Ass” vendemos uma média de quase 400 CDs e mais de 100 camisetas na divulgação. Pode parecer pouco, mas para uma banda que toca um estilo que não tem espaço nas rádios e em um cenário abarrotado de covers específicos que abafam ainda mais a divulgação de música autoral, esses números são muito gratificantes e inspiradores. A galera do rock daqui comprou em peso este CD, e dá aquele orgulho quando alguém passa ouvindo algum som nosso no carro. Ainda hoje é algo que nos deixa muito felizes, uma sensação nova que parece não passar, mesmo depois de um ano do lançamento. Outra coisa surpreendente que aconteceu, foi vendermos CD’s para ouvintes de música sertaneja de raiz. Isso parece fora dos padrões e é. Até o momento nunca tinha visto um alguém que ouvia sertanejo elogiar um CD de Heavy Metal que não tem exatamente nada de música caipira.  Alguns amigos nossos a quem oferecemos, criticaram as novas músicas sertanejas que tocam nas rádios pela falta de qualidade de arranjos e composições (creio que o rockeiro deve sentir o mesmo ao ouvir coisas como o Restart e Cine) e começaram a ouvir nossos CD’s. Ficamos felizes e percebemos ainda mais o fundo do poço em que enfiaram a música neste país. O ouvinte de boa música não ouve o que a mídia de massa transmite, tivemos a prova empírica disso.

P.Z: Vocês percebem alguma evolução do MR. SPEED entre seus dois trabalhos?

Everton – Sim. O primeiro CD("Rock and Roll Solution") era um “projeto” de dois amigos. O "The Snake Ass" tornou-se o CD de uma “banda” de 3 amigos. Tudo foi feito completamente diferente do 1º CD. Variando entre o Heavy/Thrash e até uns lances meio ASIA. Por não vivermos disso, não sofremos pressão em compor um álbum que tenha que parecer com  “a nova moda do verão” ou seguir exatamente um estilo fixo. O processo de composição é confuso e divertido, além de gostarmos de fazer músicas uma bem diferente da outra. Nem sempre 
conseguimos, mas estamos sempre tentando.

P.Z: Ao ouvir o trabalho de vocês, percebe-se que há uma gama de influências, principalmente do Hard Rock e Heavy Metal. Quais são as suas principais influências, e como vocês determinam o gênero da MR. SPEED hoje?

Everton – Ouvimos muito Metal(Heavy e Thrash), Hard Rock, Hardcore, Punk Rock e Dream Theater. Além dos classicos(KISS, Maiden, Metallica, ACDC, Purple, Creedence, Slayer, Testament, Antrhax, SODOM, Aerosmith, Motorhead, Sepultura, Titãs, Bon Jovi e Guns antigo, além de bandas nacionais) gostamos de coisas novas e diferentes no rock como: Stone Sour, Suicidal Tendencies, Foo Fighters, Korzus, Harppia, Dr. SIN, The Hellacopters, Paul Gilbert, Black Label, IZIA(França), Gotthard, Crucified Barbara, Hardline, Airbourne, Killswith Engage, Ignite, Pennywise, As Lay Dying, Danger Danger, Chicken Foot, entre outros. Um fica mostrando som para o outro. Às vezes gostamos, às vezes não. Esse sincretismo resulta naquilo citado na pergunta anterior.

P.Z: Em 2011, o MR. SPEED ganhou o 1º Festival de Bandas de Rock de Itapira (SP). E mais tarde, vocês conquistaram o 3º lugar na segunda edição do mesmo concurso. Como foram estas disputas?

Everton – A disputa era feita entre bandas do país todo, com juízes contratados de fora da cidade. Algumas bandas de Itapira disputaram. Em 2011 havíamos parado de ensaiar e tocar em shows devido às composições em andamento, porém voltamos e ganhamos com a música 'I’ve Had Enough'. O festival teve disputas acirradas com ótimas bandas e dos mais variados estilos dentro do gênero. No ano seguinte já havíamos lançado o 2º CD e disputamos com 'On This Time', ficando com o 3º lugar. As emoções de ambas as vitórias trazem imagens que lembramos com frequência. A torcida de nossos amigos de bandas anteriores (ou mesmo de outras bandas que não se classificaram) era muito forte. Todo aquele suspense e os olhares fixos de nossas famílias, namoradas e amigos no final tiveram o sabor de dever cumprido e reconhecimento de todos os anos em função do tal “Rock and Roll”. A grana do festival serviu para financiar a impressão do 2 º CD, e não fosse por ela seria muito mais complicado tirar do bolso e investir em tal, pois o retorno lucrativo de vendas é baixo. Vale ressaltar o ótimo exemplo dado pela Secretaria de Cultura de nosso município em promover estes 2 anos de festival, antes todas seguissem este exemplo.
P.Z: No cenário brasileiro, atualmente, as bandas de gêneros mais extremos, como o Thrash e Death Metal, vêm conquistando espaço cada vez mais. Vocês sentem alguma dificuldade em difundir o som da MR. SPEED quanto a este fato?

Everton – Fazer rock no Brasil é para quem gosta mesmo. Não há números expressivos em relação a festivais de rock de estilos underground que consigam se comparar ( em público ou financeiramente) à música de massa, infelizmente a realidade é essa, até por uma questão de percepção e assimilação de estilos diferentes. O Hard Rock tem um ótimo público no Brasil, percebe-se pela quantidade de covers específicos que surgem aos montes todos os dias. O grande desafio é fazer com que o rockeiro saia deste padrão de covers e apoie bandas novas do próprio país. O preconceito que se tem hoje no rock é parecido com o que se tinha com o cinema nacional na década de 80/90. Todo mundo conhecia o Glauber Rocha e o Mazzaropi e pronto, de resto nada salvava, era tudo pornochanchada. Atualmente sabemos que não era bem assim, e que muita coisa boa foi produzida mesmo com a ditadura correndo solta, porém não foi valorizada e acabou. Nossa referência de metal até hoje ainda é ANGRA e SEPULTURA, e mais nada. Nem mesmo bandas que cantam em português, como o Titãs e o Ratos, conseguem maior expressão devido ao radicalismo de pessoas que se apegam muito mais à estilos do que a entender a proposta de cada autor/banda, e não estou apenas me referindo só as limitações de percepção, e sim a algo que era muito rotineiro na década de 80, principalmente rinchas entre bangers, punks e darks, ou seja, implicância com outros estilos mesmo, e que não se aplicam hoje em um mundo com maior liberdade de expressão e respeito ao indivíduo. Porém há pessoas que insistem em viver no anacronismo, vendo apenas o seu lado da moeda e não são poucas. É legal saber que tem gente que curte Bon Jovi e Slayer com o mesmo amor, e que contribui tanto para as bandas pesadas quanto para as que não fazem um som tão pesado assim. Cada um que tire o que é de bom proveito para si, caso contrário o rock acaba por tornar-se um sinônimo de autoritarismo e não de liberdade, aí sim acaba ficando estranho. KING BIRD, CARR BOMBA, DR. SIN e EXXOTICA são exemplos de ótimas bandas, neste caso de Hard/Heavy, que deveriam ter um público de lotar estádios, devido ao tempo de estrada e a quantidade e qualidade de CD’s lançados. O mesmo ocorre no Hardcore, no Trash Metal e em outros estilos que não conseguiram criar uma estrutura de subsistência. Me refiro a palco, som, divulgação e produção de shows  em um nível de grandes eventos como ocorre nos estilos Gospel, Psy, Sertanejo e Axé, que um dia já foram undergrounds ou restritamente regionais, e hoje tem o apoio parcial da “máquina da mídia”, o que é prejudicial devido à limitação de composição, porém sustenta e cria novos sub-estilos menos populares dentro do contexto. É necessário entender que trata-se de um público(rock) mais crítico e restrito, muito parecido com o público que gosta de música clássica, ópera, bossa nova, jazz e o sertanejo de raiz, o que dificilmente ocorre na cultura de massa que ouve música descartável apenas por diversão e sem a intensão de qualquer análise, aplicação de uma atitude política ou avaliação da obra com paradigmas realmente musicais e poéticos em um constante desafio evolutivo. Se falarmos em Europa é claro que a História muda, mas no Brasil não vejo nem mesmo os integrantes do ANGRA e do SEPULTURA viverem unicamente de shows da banda ou só de venda de CD’s. Eles sempre fizeram outras funções como dar aulas, workshops, produção de eventos e bandas, tem lojas de instrumentos, etc. Mesmo por que CD hoje tornou-se uma mídia de colecionador e não mais um item físico necessário para ouvir o som da banda como era o LP, a fita ou mesmo o próprio CD. É uma nova geração, com novas necessidades. A maioria dos sites que entramos em contato, pedem para enviarmos os MP3 por e-mail e não mais a mídia física. É uma era de dinamismo e praticidade e para muita gente a ficha ainda não caiu. Hoje vendemos nossos CD’s a R$ 5,00, um preço simbólico para que não pese no bolso de ninguém e possamos arcar com os custos de produção. O interessante para nós é tornar acessível, pois as coisas mudaram e pouquíssimas pessoas tem coragem de comprar um CD importado por R$ 80,00 ou um independente por mais de R$ 15,00 e o salário do brasileiro ainda é baixo até para sua subsistência, quanto mais para gastar em shows e CD’s. Mesmo com o país indo de vento em polpa nos negócios, quase nada, ou nada foi melhorado no bem estar da população. O assunto é longo, restando o que foi dito acima como algo muito resumido e pessoal, apenas uma opinião e não uma verdade absoluta, pois varia de região para região e de evento para evento. Porém com organização e boa vontade é possível driblar alguns problemas e tornar o cenário melhor aos poucos. Disse que é possível e não que seja fácil.

P.Z: Há alguns desafios para vocês por não serem uma banda oriunda da capital (São Paulo)?

Everton – Com certeza. As oportunidades são mais limitadas devido não só ao número reduzido de casas de shows e eventos no interior em relação às capitais do país, mas também pelo acréscimo do custo do transporte da banda, que muitas vezes torna-se inviável ao organizador do show dependendo da distância. Algo normal e compreensível. Porém quando o pessoal pede eles contratam e nós caímos na estrada, não importa a distância.

P.Z: Sobre os seus três videoclipes, como foram as escolhas das músicas para os vídeos? Elas também foram lançadas em “singles” anteriormente?

Everton – Não, lançamos apenas os dois CD’s mesmo. Nosso primeiro CD teve uma edição especial que era dado junto a um ingresso para um show que a banda fez só  com a participação de bandas autorais. No lançamento do segundo CD, todo mundo que comprou um ingresso também ganhou o CD ("The Snake Ass"). Com R$ 10,00 a pessoa via o show e curtia o CD, e isso deu muito certo, pois já tinha um pessoal que sabia nossas músicas. Quanto aos vídeos, as músicas foram decididas no momento das gravações, algo como: - Vai ser tal música? – todos concordavam, se não escolhia-se uma outra e o clipe era gravado.

P.Z: E quanto às performances ao vivo, vocês priorizam o fato de inovar o repertório da MR. SPEED? Como é a seleção das músicas para a execução?

Everton – Sim, tentamos inovar e nos adaptar. Temos um repertório de 20 composições próprias e mais de 30 covers variados. Tocamos de acordo com o que o público quer ouvir.  Geralmente um show nosso tem 13 a 17 músicas, então dá para mesclar e fazer um show dinâmico intercalando nossas músicas e de outras bandas. Todo o repertório está disponível no site para quem quiser conferir ou pedir novas músicas.

P.Z: Quais são os planos futuros da banda?

Everton – Neste ano é fazer shows e compor músicas para tentar lançar um CD ano que vem. Temos trabalhado mais a divulgação da banda e estamos tendo ótimos resultados e vendo o quanto importante é a mídia alternativa neste país, relacionada principalmente na questão cultural.

P.Z: Muito obrigado pela atenção, e agora deixo o espaço para vocês.

Everton – Nós agradecemos o espaço e ficamos esperançosos em ver que pessoas interessadas em divulgar a cultura ainda existam e estão aumentando em número e qualidade a cada momento. Em um país onde a educação é fragmentada e um sistema bolsista é implantado para que haja uma inclusão forçada, ao invés de investimentos de no ensino para que o aluno possa ter uma educação escolar contínua e de qualidade; em um país onde a maioria dos sindicatos são simples aparelhos para lucros de seus administradores restringindo o trabalhador a salários miseráveis e negociando seus direitos em troca de posições políticas; em um país onde a mídia orgulha-se de uma programação medíocre para focar-se unicamente no lucro de consumo, tentando a cada segundo alienar e extinguir qualquer resquício de ponto de vista crítico de seu povo para que a elite continue sempre em sua posição dominante e a evolução do bem estar seja substituída pela exploração e a vida à qualquer custo sem se preocupar com as futuras gerações; o trabalho da mídia alternativa é essencial para tentarmos reverter esse quadro, mesmo que de forma muito pequena, mas com boas intenções, mostrando um lado humanista, seja na música, ou em qualquer outro tipo de arte, mas que pelo menos as pessoas tenham acesso a tal informação e tirem suas próprias conclusões. Que possam escolher e se libertarem de modelos pré-estabelecidos, seja pela mídia, mercado ou mesmo tradicionalismo. É isso aí, e mais uma vez obrigado a todos pelo apoio.