MYRKGAND - a saga dos velhos contos!


Por Écio Souza Diniz

O cenário mundial do metal extremo em sua história volta e meia nos apresenta uma expansão da arte e cultura em diversas dimensões cheias de possibilidades, ampliando nossos horizontes musicais. Claro que no Brasil com o rico cenário repleto de músicos talentosos e criativos não seria diferente. A one-man-band MYRKGAND formada em 2012 pelo multi-instrumentista Dmitry Luna nos apresentou em 2017 com em primeiro álbum autointitulado com uma gama sonora muito bem estruturada calcada no black metal e mesclada a elementos do death e pagan folk. Agora em seu segundo álbum, Old Mystical Tales, nos é mostrada a continuação e evolução dessa sonoridade e novamente contando com uma diversidade de reconhecidos músicos nacionais e internacionais. Dmitry nos fala mais sobre o novo álbum e outros detalhes que envolvem o mundo místico e obscuro da banda.

P.Z:  O MYRKGAND lançou seu segundo álbum, Old Mystical Tales em 2019, menos de dois anos após o álbum de estreia, Myrkgand. Você tinha as ideias desse segundo trabalho já pré-concebidas ou foi um processo natural de composição partindo do zero?

Dmitry: A maior parte das 10 músicas do segundo álbum foi do zero, mas três delas eu encontrei guardadas num backup muito antigo, que até achei que tinha perdido. São elas “Dunkelelf”, “Summoning The Cryptic Dæmonium” e “Trolls Filthy Madfeast”. Acabei fazendo pequenas modificações em “Dunkelelf” e criei uns riffs a mais em “Summoning...”. Já a música dos "Trolls" não mudei absolutamente nada. São faixas que eu compus quando tinha entre 14 e 15 anos de idade, então elas são de certa forma mais antigas que o próprio álbum de estréia. E lembro que “Of the Blue Fire”, que é a que abre o disco, já estava feita quando eu estava gravando o primeiro álbum, mas acabou não entrando.



P.Z: Enquanto o primeiro álbum traz experimentações mais pontuais nas misturas do Black/Death com Folk/Pagan, Old Mystical Tales traz um som mais encorpado e dinâmico, mas ao mesmo tempo bem definido e mais agressivo. Ao que principalmente se atribui essa evolução que notamos entre dois álbuns temporalmente próximos? Qual foi a principal contribuição de Roland Grapow (MASTERPLAN, ex-HELLOWEEN) para esse resultado alcançado?

Dmitry: Eu na verdade só fui compondo livremente como eu queria, mas na hora da criação eu sempre procuro contemplar tanto o Black/Death Metal quanto as partes melódicas e cadenciadas. Esse equilíbrio de sinfônico com extremo é a ideia principal da mescla que é o Myrkgand. Acho também que neste segundo disco eu me preocupei mais em incluir riffs de “Old School Death Metal” aqui e ali, e eu mesmo fiz alguns vocais limpos em certas partes (coisa que não fiz no pirmeiro álbum). A influência de Roland Grapow foi mais na parte da mixagem e masterização mesmo, pois a estrutura e andamento das músicas eu quem crio em todos os álbuns, não abro espaço a opiniões de fora neste ponto. Na ocasião da gravação, na Eslováquia, ele me deu algumas idéias para aprimorar o feeling na hora de eu gravar alguns solos do disco, e ele criou e gravou um solo também, o que não deixa de ser uma contribuição. Acho que a experiência que adquiri no intervalo entre os discos acaba influenciando também.

P.Z: O que você considera que foi primordial para a produção de Old Mystical Tales ter alcançado o resultado que ouvimos com instrumental soando bem arredondado, com tudo no seu devido lugar, sem faltas nem excessos?

Dmitry: Acho que o principal é o meu grau de exigência, com os outros e comigo mesmo. Muito zelo e um certo perfeccionismo na hora de compor, procurando não fazer mais do mesmo e buscando sempre inovar. Depois disso, o músico precisa estar bem preparado e focado pra não fazer besteira na hora de gravar. Muito ensaio e ter uma memória boa ajudam muito! Quando viajei à Eslováquia pra gravar no estúdio/casa de Roland, era como se eu tivesse que ter decorado 40 músicas diferentes, pois nas 10 músicas do álbum gravei duas guitarras diferentes uma da outra, o baixo e o vocal. Isso sem contar trechos que gravei violão e alguns solos. Então eu tive que me preparar muito e usar meu tempo com sabedoria. Mas tava tudo tão na ponta do dedo e da língua, que no fim das contas ainda conseguimos economizar um dia de gravação, que usamos pra fazer um churrasco e comemorar o fim do processo com êxito!  Acho que o produtor conta muito também, Roland é um cara experiente e tem uma carreira vencedora tanto no HELLOWEEN quanto no MASTERPLAN. É um bom produtor e inclusive usou uns “profiles” do Kemper cedidos pessoalmente pelo Andy Sneap, que é guitarrista do JUDAS PRIEST, seu amigo pessoal e um renomado produtor. Então tem um toque dele também em toda a magia do “Old Mystical Tales”.

P.Z: No primeiro álbum você teve diversos convidados especiais de bandas nacionais e internacionais como CANGAÇO, KORZUS, LUXÚRIA DE LILLITH, MALEFACTOR, MYSTIFIER, NOVEMBERS DOOM, STEEL WARRIOR e SYMPHONY X. Já para Old Mystical Tales você trouxe como convidados inéditos, por exemplo, músicos das bandas AT VANCE, BLIND GUARDIAN, CRADLE OF FILTH, IRON ANGEL,MASTERPLAN e VULCANO. Como se deram essas parcerias e qual tem sido o saldo delas para o MYRKGAND? 

Dmitry: É uma pergunta que todos fazem. Primeiro de tudo: Falar inglês fluentemente é importantíssimo! Sempre fiz muitos amigos na cena de Metal do mundo inteiro, por eu ter tocado em várias bandas e por ter passado cinco anos organizando excursões pra shows e festivais em vários estados diferentes. Então sempre estive no meio, com acesso aos shows e camarins, e sempre fui muito comunicativo. Algumas dessas bandas eu tive o prazer de dividir palco: é o caso do VULCANO, tocamos juntos quatro vezes. Já viajei com eles num dos ônibus que eu mesmo organizei pra um show que íamos tocar, já recebi a banda inteira na casa da minha família em João Pessoa. Temos um grande vínculo e amizade. Também já toquei abrindo shows do BLIND GUARDIAN e CRADLE OF FILTH, então tenho contato e intimidade com alguns membros dessas bandas. No caso do IIRON ANGEL, eu organizei uma excursão pra um show deles em uma ocasião e ficamos amigos desde então, sempre mantendo contato online. Cheguei a ir a um ensaio deles em Hamburgo na Alemanha! Grande banda. Por incrível que pareça, meu primeiro contato com o CRADLE OF FILTH foi justamente por causa do Roland Grapow (ex-HELLOWEEN), que foi o produtor do meu álbum “Old Mystical Tales”. Eu e Roland planejávamos como seria todo o lance da gravação, quanto ele mencionou que deveríamos convidar o baterista “Marthus” do CRADLE OF FILTH, pois ele mora na República Tcheca, próximo a Roland, e eles tocaram juntos no MASTERPLAN antes, então era um cara de confiança, muito técnico e profissional, e a proximidade facilitava a gravação. Marthus realmente seria o baterista que gravaria o meu disco, chegamos a nos encontrar no Brasil num show do “Cradle” em São Paulo e fazer uma reunião, mas as nossas agendas começaram a dar conflito, então eu e Roland solucionamos tudo substituindo Marthus pelo atual baterista do MASTERPLAN, Kevin Kott, que também toca no AT VANCE. Quando me reuni com Marthus em São Paulo, acabei sendo apresentado ao resto do CRADLE OF FILTH, incluindo o guitarrista Ashok, que também é Checo e é amigo de infância de Marthus. Ficamos muito próximos após o show e uns passeios juntos em São Paulo, e ele sim acabou gravando um solo em meu álbum. Fiquei muito feliz com isso, pois Ashok também tocou numa outra banda clássica que gosto muito, o ROOT. Após as gravações na Eslováquia, cheguei a visitá-lo em Brno, República Tcheca e ele me mostrou a cidade, que é onde ele e Marthus nasceram. Por coincidência em 2019 acabamos tocando no mesmo evento, no show do CRADLE OF FILTH que rolou em Brasília, onde cantei pelo LUXÚRIA DE LILLITH. Respondendo sobre qual o saldo dessas parcerias para o Myrkgand: é ótimo, sim. Sempre é bom manter bons contatos, boas amizades com profissionais e artistas talentosos que participam de grandes projetos assim. Que conquistam e te ajudam a conquistar! Tenho amizade com vários outros artistas, inclusive já estou preparando um time diferente e fortíssimo para o próximo disco.

P.Z:  A distribuição de Old Mystical Tales está bem amparada tanto aqui no Brasil pelos selos Heavy Metal Rock e Blasphemy Productions, como também no exterior pelos selos Metal Bastard Enterprises (Espanha), Sade Records (México) e Fono Ltd. (Rússia). A procura pelo CD tem sido maior no exterior ou se equipara com a demanda brasileira?

Dmitry: No exterior acaba sendo maior, pois vários países somados dão um território muito maior que o Brasil (Risos). Mas a repercussão nacional é boa também. Além dos que você citou, também saiu um Box de madeira lançado pela gravadora NIHIL PRODUCTIONS do Rio Grande do Sul, que contém 5 fitas cassete com toda discografia do Myrkgand (os 2 álbuns e as demos + pôster, adesivo, patch, certificado). O primeiro disco saiu no Japão também, Malásia, República Tcheca, Polônia, Portugal e vários outros. Tem outra gravadora mexicana (AZERMEDOTH) que anunciou o lançamento de um Box de CDs contendo uma demo e os 2 álbuns do Myrkgand + camisa + medalhão. São tantos lançamentos diferentes, em países diferentes, que às vezes me esqueço de algum na hora de listar. Isso mostra que o trabalho tem sido bem aceito e é uma grande recompensa. Recentemente, no início de 2020, saiu uma versão do “Old Mystical Tales” na Grécia e EUA, num formato muito especial de “Picture Cassette Tapes”, a arte gravada diretamente na fita cassete.

P.Z: Um dos pontos altos de Old Mystical Tales é a faixa Dunkelelf que transita de forma harmônica, consistente e forte entre atmosferas sacras e blasfemas. O que você acha mais importante num processo de composição para que esse equilíbrio ou ponto de inflicção seja alcançado?

Dmitry: É importante ter uma base teórica, saber teoria musical. Não que isso seja a única coisa que importe, mas ajuda muito na hora de saber o que está fazendo e ter as idéias. Só que é bom também puxar algo simplesmente da sua intuição, ou algo mais cru. Tem que ter um grau alto de exigência consigo mesmo e senso crítico. Ter uma boa formação e boas influências também conta muito... Influências musicais e literárias. Acho que também vai muito da capacidade de cada um. Hoje enxergo que algumas pessoas simplesmente têm mais facilidade com artes, outras não. Se a pessoa tiver uma alma, o espírito artístico, isso conta demais. Uma sensibilidade específica pra saber o que cabe e o que não cabe numa determinada música, ou o que falta e o que pode ser retirado. Compor é como esculpir uma estátua, você vai acertando os detalhes até ficar o mais legal possível.

P.Z: A bela arte da capa de Old Mystical Tales, cortesia do artista Emerson Maia, se encaixou perfeitamente com a proposta lírica abordada no álbum. O conceito para essa arte partiu de você ou o artista lhe sugeriu ideias a partir do que você esperava?

Dmitry: O conceito de todas as artes sempre parte de mim. Eu digo em detalhes o que o artista precisa fazer, sempre tomando como base as letras de minhas músicas. Essa capa foi feita seguindo a lenda contada na faixa que abre o disco “Of the Blue Fire”. É claro que Emerson Maia sempre vem com algo a mais, coloca uns elementos que ele tira da cartola, pois é um desenhista genial (e faz tudo com uma simples caneta BIC).  Ele já criou diversas artes pra mim, pouco menos de 20. Emerson é um baiano que tem um senso artístico fora do comum, indico pra qualquer um que goste de artes macabras e fantásticas. Eu dito o que vai ter na imagem mas também dou uma certa liberdade a ele, por confiar no cara.

P.Z: A ideia de audaciosa de elencar um time de grandes convidados teve um início e passo histórico com o projeto William Shakespeare’s Hamlet lançado pela Die Hard Records e foi constituído por músicos das bandas KRUSADER, NERVOCHAOS, SYMBOLS (COM EDU FALASCHI), HANGAR (COM AQUILES PRIESTER), TORTURE SQUAD, TUATHA DE DANANN e o saudoso ANDRE MATOS. Nos anos 2000, o MYRKGAND e o SOULSPELL carregam essa bandeira, ficando em páreo com grandes nomes como AYREON, AVANTASIA, entre outros. O que você acha do cenário nacional atual nesse contexto?

Dmitry: Ouvi falar desse projeto do HAMLET na época e escutei alguma coisa, por causa do nosso grande ANDRE MATOS, mas admito não conhecer todas as bandas envolvidas e não gostar de algumas... outras aprecio muito. Eu gosto do AVANTASIA e já cheguei a vê-los ao vivo e conhecer o Tobias Sammet, Sascha Paeth e toda a banda e convidados na ocasião. É um formato bem interessante e rico demais musicalmente. Creio que isso é algo ainda raro no Brasil, mas a tecnologia atual e facilidade de comunicação têm feito muitas bandas fazerem convites para participações especiais. Uma recente que me lembro é a do Proscriptor (ABSU) que gravou vozes na introdução do novo disco do MYSTIFIER.

P.Z: No gancho da pergunta anterior, o nordeste brasileiro sempre teve um cenário forte para o metal extremo, do qual saíram bandas clássicas como HEADHUNTER D.C. e MYSTIFIER e nos anos 2000 bandas com temática diferenciada como o PRIMORDIUM que aborda coisas na linha da egiptologia e HATE EMBRACE que mesclou com maestria a cultura do sertão nordestino na sua sonoridade. Como você enxerga o cenário atual na Paraíba e estados vizinhos em termos estruturais?

Dmitry: Infelizmente o cenário desta região vai de mal a pior. Muito disso se dá pelas dificuldades do próprio Brasil. É um país muito complicado, com uma educação precária, muita corrupção. Fora que entre as poucas pessoas do meio do Metal, muitas não têm condições de frequentar shows e de comprar material, ou simplesmente não têm o costume de praticar nada disso. Várias não seguem essa cultura. Mas um problema enorme que existe na cena da região é a ignorância e o crescimento de uma “moda” da rivalidade e picuinha. É uma cena cheia de serpentes, onde pouquíssimos realmente se apoiam, preferindo competir, rivalizar e criar conflitos. Muitos fingem apoiar a banda do “amigo” e dos colegas. Na frente dão tapinhas no ombro, mas por debaixo dos panos vivem agindo contra, falando mal e puxando vários tapetes. Eu sei, porque eu presenciei isso demais e é bizarro. Gente que se odeia, mas se abraça nos eventos, na maior falsidade. Mas também sei que isso é recorrente em outras regiões e estados, por quase que diariamente ouvir e ler relatos de amigos meus que tocam em grandes bandas de SP, MG, Bahia, do sul e de várias outras localidades. Essa recente polarização política contribuiu para o crescimento desta prática cancerosa, gerando propagadores de “fake news” e radicais inúteis. Mas falando do Metal em si na região: Algumas raras bandas até possuem boa sonoridade, mas infelizmente há pessoas muito pouco ambiciosas ali, com capacidades realmente limitadas e erros grotescos na hora de tomar decisões. Muitos não buscam se aprimorar e se profissionalizar, acabam ficando estagnados e amadores pra sempre. Por isso não se vê outros voando mais alto por ali. Os músicos realmente sérios e que fazem coisas grandes são casos bem isolados, como o próprio “Monga”, baterista que gravou o meu primeiro disco com o Myrkgand e que acabei indicando pro MYSTIFIER e está na banda até hoje. Antonio Araujo do KORZUZ é outro que merece ser citado, Pernambucano. Rafael Cadena do CANGAÇO, entre outros. Caras inteligentes e que sempre estão se aprimorando. Porém, como eu disse, são casos isolados. 

P.Z: Diante da relativa rapidez entre lançamentos dos dois primeiros álbuns, nós podemos esperar o terceiro chegando por aí em breve? Quais os planos para o MYRKGAND no momento?

Dmitry: Eu já terminei de compor todas as músicas, estou com a pré-produção do terceiro disco preparada e com vários planos relacionados a isso bem adiantados. Novamente estou fazendo algo muito especial, com um time de artistas renomados, incluindo o baterista e o produtor, que são bem conhecidos da cena mundial de Black Metal. A gravação estava prevista para 2020, porém esta pandemia que se instalou no mundo anda a atrapalhar um pouco os nossos planos. Veremos como se dá tudo, mas já dá pra saber que em breve o Myrkgand terá material novo sim!

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