DEEP MEMORIES: o futuro reconstruído pelo presente!

Por Écio Souza Diniz

No caminho contrário das tendências do metal mundo afora, o Brasil tem forjado nomes de peso no cenário Doom metal na última década, que demonstram uma inspiração e qualidade impressionantes em seus lançamentos. Nesse segmento, surgiu em Americana (SP) no ano de 2016 o DEEP MEMORIES, 'one man band' comandada pelo multi-instrumentista Douglas Martins traz uma fusão de elementos de Doom, Black, Gothic, Death e Progressive Metal que emolduram uma atmosfera de beleza, peso e melancolia nas faixas de seu primeiro álbum, Rebuilding The Future. Douglas fala ao Pólvora Zine sobre o surgimento e trajetória da banda até aqui e nos revela detalhes sobre o segundo álbum que está já em fase produção.

Após sua saída do DESDOMINUS, o que principalmente o motivou à criação do DEEP MEMORIES?

Mesmo após minha saída do Desdominus em 2005, nunca parei de tocar e compor material e os riffs surgiam, foram se acumulando e quando percebi já tinha o material para um álbum. O grande mestre Quorton do BATHORY sempre foi uma inspiração, quando ouvia Twilight of the Gods não conseguia imaginar como ele tinha conseguido fazer tudo aquilo sozinho e a partir daí passei a sonhar em ter o meu próprio projeto, com minhas ideias em sua totalidade.

Qual a principal razão de sua decisão para criar uma ‘one man band’ invés de contar com outros componentes?

Sinceramente, naquele momento não me interessava a interação com outros membros e as apresentações ao vivo não faziam parte dos planos. Encarei tudo, desde o embrião do projeto como um dos meus maiores desafios pessoais - a criação do nome, logo, composições, gravação, mixagem, capa, encarte, etc. Enfim, fiz toda gravação, mixagem e a masterização do álbum em minha casa, em meu 'home studio'. Pode parecer até um pouco misantrópico, mas eu precisava dessa experiência, descobrir se eu era capaz de criar minha própria arte guiada apenas pela minha cabeça. Quando se está em uma banda (pelo menos nas que participei), a maioria das decisões são democráticas e em uma democracia sempre um lado acaba cedendo e a ideia original se altera. Já com o Deep Memories isso não aconteceu e ao mesmo tempo isso trouxe uma responsabilidade e ônus total sob minhas costas.

Musicalmente, quais são suas principais influências na sonoridade Doom/Death do DEEP MEMORIES? 

Nos últimos 15 anos tenho ouvido basicamente metal tradicional, IRON MAIDEN, OZZY OSBOURNE e BLACK SABBATH não saem do meu Spotify. Gosto muito de DREAM THEATER, MEGADETH, MANOWAR, PANTERA e NEVERMORE. Já para a vertente mais extrema ouço com grande frequência bandas com vocal feminino como LACUNA COIL, WITHIN TEMPTATION e THEATRE OF TRAGEDY além do doom/gothic tradicional como MY DYING BRIDE, TIAMAT e KATATONIA. De Death Metal a trinca DARK TRANQUILLITY, AT THE GATES e IN FLAMES mudaram minha maneira de ver a música, juntamente com o DEATH (esta última em um patamar inalcançável). Gosto muito do Black metal dos anos 90, com melodias mais elaboradas como BATHORY, DIMMU BORGIR e CRADLE OF FILTH. 

Pra você foi desafiador criar todas as composições sozinho para Rebuilding the Future ou foi um processo natural no qual já tinha claro em mente como deveria ser e soar? 

Criar é a parte mais reflexiva de todo processo e ao final, ouvir as músicas finalizadas é muito emocionante. Quando se compõe um riff e vem aquele frio na barriga, percebendo que aquela progressão de acordes ou frases afetaram meu sentimento e que será possível ser aproveitado em uma canção é algo inexplicável! Não tinha ideia como o álbum deveria soar, não pensei nisso, foi saindo e aos poucos a identidade do trabalho se materializou. Após colocar os vocais deu para perceber no que havia realmente se transformado e tenho muito orgulho e boas recordações de quando ouvi o material finalizado – depois de algumas semanas é logico, no final, não aguentava mais ouvir (Risos). 

Rebuilding the Future carrega um aspecto lírico e sonoro bastante intimista. Qual o principal reflexo de suas fases pessoais de vida nas músicas? 

A ideia de “reconstruir o futuro” já responde um pouco esta pergunta – Esta frase sintetiza todas as fases da minha vida. O meu futuro escrevo agora, minhas ações de hoje normalmente refletem um resultado subsequente. Por exemplo: Se procuro me atualizar profissionalmente, normalmente ocorre um progresso em minha carreira, se tenho uma alimentação desregrada e exagerada, normalmente me torno um obeso... então ter a oportunidade de reescrever o futuro dos meus dias a cada momento é algo que valorizo muito e acredito ter conseguido transpor isso para as letras. “O amanhã, escrevo hoje”. 

A riqueza sonora de Rebuilding the Future já se mostra numa trinca muito bem alinhada com as três primeiras faixas When The Time For My Last Breath Comes, Suffocating Grayish Darkness e There is No End. Pra você, o que mais se destaca e o agrada no álbum? 

Nossa, que pergunta difícil. Olhando de fora acredito que a ambientação do álbum é muito diferente, traz de alguma maneira uma reflexão a momentos de beleza e melancolia. Muitas pessoas me relataram isso. Não costumo ouvir o álbum com frequência, mas recentemente tenho praticado a execução das músicas na guitarra e o que me agrada é realmente o clima, este tipo de túnel que se abre ao dar o 'play' e entrar na 'vibe' do álbum. 

O cenário Doom/Death e Gothic/Doom foi fortíssimo nos anos 90 até início dos anos 2000. Interessantemente, parece o que Brasil está um pouco na contramão do restante do mundo, pois em outros países outros estilos estão predominantes e aqui o referido cenário só vem crescendo. Como você enxerga isso? 

Realmente. O Brasil é o maior expoente Doom Metal da atualidade. As bandas mais expressivas, com mais de 20 anos de existência praticamente ressurgiram, lançando álbuns sensacionais, o cenário daqui me surpreende a cada dia. Quando o material físico do DEEP MEMORIES foi lançado, o fluxo de saída de material me impressionou pois não tinha um nome consolidado. Vários selos pelo mundo lançaram diversas bandas brasileiras, isto realmente não tem preço.

A distribuição do Rebuilding the Future como CD foi bem articulada, visto que é distribuído por quatro selos: GS Productions (Rússia), Invasion Of Solitude Records (Japão), Heavy Metal Rock (Brasil) e Misanthropic Records (Brasil). Como tem sido a procura pelo material, aqui e lá fora?  

Tem sido muito acima do que eu imaginava. Todas as versões do álbum saíram muito bem, assim como camisetas e o EP. O apoio dos selos foi fundamental. O Marco Amaral da Misanthropic e Wilton Christiano da Heavy Metal Rock fizeram o álbum ganhar uma notoriedade importante, vários sites especializados resenharam bem. Fora do Brasil o impacto também foi muito significativo, considerando que foi o primeiro álbum de um projeto recém-formado. Ter o álbum lançado no Japão e Rússia ainda me impressiona, muito orgulho de representar o metal brasileiro nestes países. 

Agora em 2020 Rebuilding the Future recebeu uma versão em LP (cores preta e azul) pelos selos Neves Records e Heavy Metal Rock Records. O que mais chama atenção de cara é a belíssima e enigmática nova arte da capa feita especialmente para esse lançamento. De onde surgiu a ideia pra concepção dessa arte e por que decidiu mudar a arte original?  

O Alexandre Neves propôs sair com uma capa exclusiva, com vinil em duas cores – preto e azul. A imagem da capa do vinil estava no encarte do CD, porém mesclada com outras. Quando mostrei para o Alexandre ele pirou. Realmente é uma foto incrível e muitos de nós se iniciaram no metal pelas capas memoráveis do IRON MAIDEN! A capa de um vinil significa muito, é o primeiro impacto. Quem pega um LP na mão é impactado imediatamente pela imagem e ela por si só remete ao lado mais sombrio do DEEP MEMORIES. O resultado final ficou muito bom. Quando peguei o LP pela primeira vez nas mãos a sensação foi inesquecível. 

Já há planos para lançamento do segundo álbum do DEEP MEMORIES num futuro próximo? 

Já estou com o segundo álbum 100% composto, finalizando as gravações de guitarra. Até o final de 2020 estará concluído para lançamento ainda no primeiro trimestre de 2021. As músicas estão mais marcantes, tanto nas partes lentas como nas partes mais intensas. Acredito que muitos se surpreenderão com a sonoridade, mais soturna e pesada.

Obrigado Écio e Pólvora Zine, pelo espaço! Quem quiser conhecer mais sobre o Deep Memories acesse www.deepmemories.com.br, valeu!