Entrevista: TERRA ARRASADA - no som da indignação!

Por Ramon Teixeira


A banda TERRA ARRASADA surgiu em Rondonópolis-MT, abordando em suas letras e conceitos a forma como o Brasil e a América Latina, desde a colonização, vem sendo explorados e devastados. Em suas composições refletem sobre o cotidiano de indignação e resistência. Inspirados por bandas como PAVILHÃO 9 (BRA), REKIEM (CHL) e RAGE AGAINST THE MACHINE (USA), Fred Cardim (vocal, ex-OVERDRIVE SARAVÁ), Lucas Codorniz (guitarra, ex-CARNIVALE), André Guilherme (baixo) e Eduardo Henrique (bateria, ex-DESAMOR) fazem um Nu Metal cantado em português com letras que abordam a realidade – sobretudo, a brasileira – com muita crítica social e distorção. Para falar sobre as músicas, a cena e sobre os próximos passos da banda, conversaram com o PÓLVORA ZINE Fred e André Guilherme, que também é fundador do selo e do site de divulgação Punk ZINE EFEITO COLATERAL.


Pólvora Zine: Para início de conversa, falem um pouco sobre a história da TERRA ARRASADA. Como se conheceram? Como surgiu a ideia da banda?

Fred Cardim: Então, nós inicialmente éramos só três professores chegando de outros estados, porque fizemos um concurso para educação em Mato Grosso, eu Fred (vocalista) sou de Niterói RJ, o André (baixista) de Brasília e o Lucas (guitarrista) de Ouro Preto-MG. Eduardo, de Mato Grosso mesmo, baterista, entrou na banda depois. Todos já tinham uma relação com alguma cena de música em seus lugares de origem e queríamos tocar, por isso formamos uma banda. Mas, queríamos uma banda autoral e a temática que falei acima é algo muito forte no Mato Grosso, e acabou sendo muito abordada nas letras. Aqui já na estrada vemos um cenário de devastação em função da monocultura de soja no Centro-Oeste. Esse tipo de produção que arrasa nossos recursos naturais não começa de hoje. É quase que uma vocação do Brasil, e estar no olho do furacão do agronegócio me fez ter a verdadeira dimensão do quão esse padrão da monocultura agroexportadora se tornou um cânone que se repete a mais de 500 anos. Um fato que foi determinante, pelo menos para mim, é que, durante uma greve dos professores, lutávamos pelo comprimento de uma lei da educação e o sindicato montou um acampamento na Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Mas a maior parte da bancada dos deputados, nitidamente, é vinculada aos interesses do agro. Quando as pautas foram sendo aprovadas, caiu a ficha… As primeiras pautas estavam em torno de aprovar isenção fiscal para grandes empresários do agronegócio, renúncia de dívidas e até taxação de placa solar… Entendi que a reivindicação dos professores era uma agulha em quilômetros de monocultura, e que para entender a vocação de subserviência ao Capital internacional (exportando matéria-prima e importando produtos com alto valor agregado) na realidade brasileira e da América Latina como um todo, precisaríamos entender esse cenário. Um cenário que torna, há mais de 500 anos nossa terra arrasada. 


P.Z.: Vocês se denominam como uma banda de nu metal e buscam inspiração nos sons das bandas PAVILHÃO 9 (BRA), REKIEM (CHL) e RAGE AGAINST THE MACHINE (USA). Além dessas bandas, quais referências, nacionais e internacionais, também  influenciam a banda? O que andam escutando?


Fred: Cara, eu sou muito fã de bandas do mainstream mesmo do Nu Metal, como SYSTEM OF A DOWN, KORN, DEFTONES, MACHINE HEAD, COAL CHAMBER, DROWNING POOL, SNOT e SEPULTURA. Também curto algumas bandas mais experimentais como MR. BUNGLE, SLEEP TIME GORILLA MUSEUM e THE IDIOT FLESH. Mas, a pegada de tentar unir essa sonoridade a uma realidade econômica e social brasileira e latina, de um modo geral, é que proporcionaria algo de original. Em termos de sonoridade, estou constantemente em busca de experimentar riffs na guitarra em Drop C (afinação do SOAD). Tenho influências do Rap também como MARECHAL, DEXTER e PAVILHÃO 9. O PLANET HEMP com B negão também é uma influência de sonoridade e de concepção e críticas muito importantes. O BAIANA SYSTEM é uma grande referência para pensar a importância da latinidade no Brasil e valorização da cultura como forma de resistência. CHICO SCIENCE, EL EFECTO (RJ), MACAKONGS 2099 (DF), BLACK PANTERA (MG) e outras. O André tem várias referências fodas do Hardcore e Punk também e o Lucas mais do metal. André Guilherme: Na banda cada um vem de influências totalmente distintas. Eu mesmo vou do Reggae ao Pós-punk em questão de segundos. Sempre fui ligado às sonoridades em torno do Punk Rock, ultimamente tenho escutado bandas na pegada Hardcore americano dos anos 80, inclusive indico o som da NIGHT BIRDS (USA). Do Brasil tem a ONDA ERRADA (RJ) e os XUPAKABRAS (MS) que são de uma geração recente e estão na ativa, recomendo demais. Os sons do AGROTÓXICO (SP), RATOS DE PORÃO e BLACK PANTERA são de outra pegada de HC que tenho escutado esses tempos, vários temas se cruzam com a TERRA ARRASADA. Trago algumas inspirações do Rap dos anos 90 também, um pouco de RZO, CAMBIO NEGRO e FACÇÃO CENTRAL para pensar algumas letras. Como nem tudo se resume à “crítica social foda”, também constam muitas horas de VIAGRA BOYS na minha playlist (risos). 


P.Z.: Ao todo a banda já postou nas redes 9 músicas. Como é o processo de composição? Como dividem o trabalho? Quem escreve as letras?

Fred: Inicialmente, eu fazia as composições e letras. Mas, já queria há um tempo que esse processo fosse mais coletivo. Ao longo dos ensaios começaram a surgir, espontaneamente, músicas com a banda. O André tem feito umas letras bem fodas. A última música que estamos terminando de compor tem o riff criado pelo Lucas e a letra foi feita meio que por mim e pelo André, juntos. Gostei bastante desse processo. De um modo geral, os riffs surgem numa afinação Drop C. Eu tento, e nas composições coletivas, a banda tenta buscar um equilíbrio entre diversificar as partes (seções) das músicas e ao mesmo tempo não exagerar nessa multiplicidade de ideias. Em termos gerais as músicas surgem de ideias muito simples, e frases de efeito que possam de uma forma clara, ou melhor, escancarada (risos), apresentar uma mensagem. A divisão do trabalho não é tão parametrizada entre os integrantes não, mas o Lucas faz muito a parte de marcar os ensaios, o André tem um destaque em criar vídeos para postar no Instagram e acaba gerenciando mais, de uma forma geral as redes sociais e a intermediação com outras bandas, evento e mídias pelo Brasil. Eu fico muito na parte composicional, também dou uma editada nos vídeos e insisto em gravar algumas  coisas no Reaper, por mais que eu sempre ache que ficou uma bosta a parte de captação e mixagem (risos).


P.Z.: Vocês têm planos de lançar algum EP ou full lenght? Quais os planos futuros da banda? O que está em vista para 2023?


Fred: Vamos gravar sim, na real estamos começando a fazer uns ensaios gravados e as sonoridades da banda já estão começando a ficar prontas para uma gravação. Esse ano serão inseridas ao repertório composições que ainda não são tocadas pela banda. A maioria das composições que estão no Soundcloud foram montadas numa DAW aqui em casa, com guitarra, bateria virtual e voz. A banda tem mais repertório que ainda não foi tirado. Esse ano vamos nos concentrar em montar um cronograma para tirar essas músicas, aumentar o repertório e escolher quais dessas vamos gravar. Pra quem quiser ter uma noção do som, vale seguir o link: https://www.youtube.com/watch?v=8I400QfJkhE


P.Z.: Desde o golpe de 2016 vem se avolumando casos de censura e violência em relação à música pesada de protesto, com produtores e artistas Processados, repressão policial e incidentes em shows como vimos recentemente no show do GAROTOS PODRES em Pederneiras (SP). Como é ter uma banda de nu metal que defende o Cerrado e seus povos, com críticas cantadas em português em Rondonópolis, terra do agronegócio, sobretudo, com a forte presença do bolsonarismo golpista e reacionário?


André: A banda se formou em um momento que os valores fascistas já tinham se espalhado bastante por aqui, basta ver em quem a maioria dos eleitores votaram em 2018 e 2022. Infelizmente, a vida vale menos em territórios bolsonaristas, então nós vamos nos fortalecendo com os nossos, com os demais que compartilham concepções mais progressistas. Vivemos próximo de algumas etnias indígenas, por exemplo, e acompanhamos de perto o desprezo por parte dos “Cidadãos de Bem”, por isso fazemos questão de citar isso nas músicas. Consequentemente, alguns vão se incomodar. Como na primeira vez que tocamos, foi de surpresa em um estabelecimento que abriu espaço para bandas. Na nossa vez, algumas pessoas não curtiram o teor das músicas e se retiraram, enquanto outras tantas se empolgaram em ver, finalmente, um grupo cantando sobre a realidade local. Em geral, o clima daqui é bem hostil com o pensamento mais à esquerda, poucos meses atrás o Supla cantou contra o Bolsonaro em um festival de rock aqui e teve gente tentando interromper o show, para você ter ideia. Então vamos fazer som é para impulsionar quem tá afim de um rock subversivo, para quem tá a fim de pensar de maneira mais humana, por isso estamos mantendo conexões com galeras de outras cidades, para construir um underground que traga boas referências para molecada.


P.Z.: Vocês já passaram por alguma situação desagradável devido a sua posição antifascista?


Fred: Sou professor em uma escola até bem engajada em questões socioambientais. Mas, cantei uma música nossa chamada “Fome e miséria”, que em uma parte a letra  diz “[...] o agronegócio assassinou a agricultura” e “[...] só mais um ciclo na história da nação no Brasil do Bolsonaro o povo vai pro valão”. O vídeo dessa música foi parar no stories do Instagram, e depois no feed, e acho que tá até hoje (risos) de uma empresária bolsonarista que me acusou de doutrinação. A escola não aprovou o manifesto da empresária e fez uma nota de repúdio me apoiando. Depois fizemos uma música resposta chamada “Liberdade de expressão”. Rolou uma tensão inicial, porque não sabíamos a proporção que isso iria tomar, visto que estávamos há pouco tempo da  eleição e os bolsonaristas estavam no ápice do estado de surto coletivo. Preferimos esperar para ver a repercussão que o episódio teria. Se houvesse uma repercussão muito grande diríamos “muito obrigado, vamos aproveitar e lançar a música”, mas acabou que ela foi muito rechaçada no post dela e não chegou ter essa repercussão toda não (risos).


P.Z.: Recentemente a banda se apresentou no festival “Ocupar e Resistir”, que integrou o movimento de shows “Hardcore contra o Fascismo” dividindo o palco com mais oito bandas. Na gravação desse show disponibilizado no canal da banda no Youtube é possível ver a sincronia da banda e uma ótima interação com o público. Conte um pouco como foi se apresentar nesse festival?


Fred: É sempre diferente ouvir uma banda ao vivo, mas nós somos o tipo de banda que é totalmente diferente ouvir ao vivo porque a música é feita para gerar uma agitação e um sentimento de raiva, mas também de igualdade, solidariedade e celebração do momento em que estamos unidos pela música e pelo direito de poder usar a voz. A gente pensa no show como o momento de incendiar e tacar fogo no lugar e celebrar esse fogo de empoderamento e rebeldia junto com todos que assistem e que tocam. “Se for para queimar, queima o sistema neoliberal até ele incinerar!”. Curtimos muito tocar nesse festival porque isso fez-nos aproximar da cena local de Cuiabá com bandas que compartilham do mesmo sentimento de inquietude e desejo de ruptura e transformação que nós (risos). A molecada do skate estava lá se esbaldando de andar e fazer as rodinhas e a gente queria era isso mesmo (risos), muito foda! (risos).


André: Foi nossa estreia oficial, melhor ocasião não tinha. Esse evento representa muita coisa, ainda mais sendo realizado na região de quem está bancando e financiando o desmonte do Brasil. Lá criamos uma amizade muito massa com as bandas BLOKEIO MENTAL e MALEVAH, tentamos acompanhar os bastidores da organização e aprender um pouco com eles, que já têm uma tradição em fazer eventos no meio da rua, algo ainda fora da realidade aqui do interior. Nesse dia, como foi show mais campeonato de skate, foi inspirador demais. Sem falar na recepção do público com o TERRA ARRASADA, foi um impulso e tanto para a banda, voltamos para Rondonópolis cheios de planos.


P.Z.: A palavra está aberta para vocês dizerem o que quiserem para os leitores do Pólvora e os fãs da banda.

André: Primeiro parabenizar o PÓLVORA ZINE, por tantos anos dando espaço para bandas independentes, e para o pessoal que acompanha a gente, em breve vamos gravar e por nossos sons para rodar nas plataformas digitais. Enquanto isso, formem bandas! Abração.

Para escutar o som e assistir a vídeos da banda em ação:

Instagram: @terra.arrasada

Facebook o link é: facebook.com/Terra.Arrasada.MT

Youtube: https://www.youtube.com/@terraarrasada2606

Soundcloud: soundcloud.com/terra-arrasada