DEAD FISH, BAYSIDE KINGS, MONTESE E LAST WARNING: Mister Rock, Belo Horizonte (28-10-2023)

 Por Ramon Teixeira (@ramonsteixeira) e Thiago Pena (@pena.th)

Fotos de Felipe Cavaliere (@felipe_cavalieri)

DEAD FISH


Antes marcados para acontecerem em Contagem-MG, devido a complicações com o espaço para a realização dos shows no município, os shows aconteceram em Belo Horizonte, no Mister Rock, uma das casas mais famosas e bem estruturadas para receber shows de música pesada na capital, localizada na Avenida Teresa Cristina, bairro Prado.

Com os portões abertos desde as 20:00, ao chegar, notava-se uma aglomeração na avenida e uma fila para entrar que ia começando a se avolumar. Devido à proximidade com a celebração do Halloween (31 de outubro), o Mister Rock promovia nas proximidades o “Halloween Mister Rock”, uma festa à fantasia regada ao som de uma série de bandas cover de rock e metal. Então foi interessante notar, além do público para os shows de hardcore promovidos pelos organizadores do tradicional festival Bloco dos Camisa Preta, um trânsito de pessoas diversamente fantasiadas com temas de horror nas proximidades, na chegada e na saída.

LAST WARNING

Lá dentro, o público começava a encher a casa. Evento marcado pela pontualidade, às 20:30, a frente do palco já se reunia uma galera para apreciar o primeiro show da noite, a cargo da banda Last Warning. Surgida de um novo fôlego dos tempos que BH borbulhava bandas de hardcore em suas mais variadas vertentes, em especial influenciadas pelo NYHC mais agressivo, que fomentou uma cena local bem no início dos anos 2000, a banda – fundada em 2012 – conta com um tempero thrash/death metal, que contaminou praticamente tudo que surgiu de som pesado dos anos 80 em diante na região, incluindo as bandas de hardcore nativas. Hoje formada por Jonatan Maxwell (vocal), Rafael Rubinger e Filipe Guimarães (guitarras), Carlos Ziviani (baixo) e Paulo Giordane (bateria), a banda entregou um verdadeiro banquete para quebrar o maxilar e encher de hematoma os presentes.


O início do show, ao som da base suave de Money Trees de Kendrick Lamar, foi o prenúncio da pancadaria que estava por vir. Assim, baseando sua apresentação no álbum The Age of Death (2019), a música Evil Ways foi executada sem piedade, com um instrumental cravadíssimo, pesando toneladas e com o vocal áspero e escarrado de Jonatan. Clima tenso, num crescente, intercalando velocidade e pancadaria, destaque para o final, com um bate-cabeça insano com um jogo de primeira e segunda guitarra que pegou todo mundo na curva.

Faithless veio na sequência com a cozinha de Paulo e Ziviani puxando uma cadência “cremosa” para ir abrindo a roda, seguida dos riffs thrash das guitarras que reforçaram o recado e armaram o caos. Gritaria enquanto os solos cheios de reverb iam costurando a montanha russa de velocidade e groovies carregados de bateria e baixo. Felipe completa a cena com seu vocal rouco e raivoso, bem na linha Obituary. Num fade-out lento a pancadaria cedeu lugar para Am I all alone? Do começo ao fim, embaladas por um frenesi perturbador das guitarras, várias pauladas na cabeça.

Anunciando as novas faixas, o pau na máquina seguiu com Facedown single lançado esse ano –, que pisoteou sem dó o público. Destaque para os vocais de Jonatan e Felipe que iam se espiralando ao longo da música – elemento bastante usado nas composições anteriores, mas com uma simbiose bem maior desta vez. No trecho final, algumas cabeças no público ajudaram no gang-vocals em “Think and take a side... There’s just one right side”. Coisa linda de se ver e ouvir! Dando sequência às novidades, Cold hands foi um atropelo. Pegada NYHC reta e pulsante que te tranca no mosh e joga a chave fora. Destaque para o final que conta com uma levada instrumental surpreendente, aquele frenesi das guitarras reaparecem embalando a pancadaria para travar de vez o maxilar, a ponto de quase quebrar os dentes.

Em meio ao pesado setlist, teve espaço para uma homenagem ao Sepultura. Do álbum Chaos A.D. (1993) escolheram a excelentíssima Slave New World, uma síntese de vários elementos que a banda carrega como inspiração. Com um tom de suspense Eye for an eye deu continuidade ao baile com aquela rufada charmosa na caixa para explodir em mosh na sequência. Demonstrando ao longo de todo o show maneiras sagazes de fundir HC com metal, a banda encerrou a sessão de socos na costela com Dead inside que, com uma levada insana de bateria e um groove grosseiro, triturou o que sobrou dos que se aventuraram pelos moshs.

MONTESE


Contrastando com o peso do hardcore punk de minutos atrás, na sequência, cumprindo o horário à risca, mais uma banda de BH. Assim, às 21:30 subiu ao palco a banda de hardcore melódico Montese. Com influências de bandas como Hot Water Music, Millencolin e Noção de Nada, a banda nascida em 2011 e atualmente formada pelo vocalista Victor da Mata, os guitarristas Guga Neves e Rodrigo Porto, o baterista Diogo Melchior e pelo baixista recém apresentado ao público, Bruno Retes, baseou seu show nas canções do EP Esboço (2012) e do disco cheio Quando me encaro de frente (2014). Assim, Victor comandou o show com sua voz e carisma e colocou os presentes para agitarem e cantarem os coros e refrãos de Lutar contra a maré, Pilar, Velho Mártir, Quadros e versos, Lembranças de um Solstício, Quando me encaro de frente e Chá.

Chamou a atenção o entusiasmo de Guga, que ia costurando os riffs hardcore melódico de Rodrigo com seus solos, adicionando (em alguns momentos com a ajuda de Rodrigo) camadas aos vocais de Victor com seus backing vocals, além de manter o olhar atento ao público, interagindo do início ao fim. A cozinha da banda com o novo baixista também não deixava a desejar. Com refrãos que grudam na cabeça, integrantes em perfeita sincronia, a banda manteve os presentes aquecidos e sem deixar a energia baixar para os próximos shows. Completou o setlist o excelente single lançado em 2018 Trago, além de duas canções sem registros de estúdio, Nada e Silêncio. Em resumo, um show certeiro em que souberam aproveitar o curto espaço de tempo para agradar os fãs e apresentar um ótimo cartão de visita para quem ainda não os conhecia.

BABYSIDE KINGS


Às 22:30 foi vez da Bayside Kings comandar o baile. Com um hardcore que mais parece um tanque de guerra, os underdogs santistas Milton Aguiar (vocal), Matheus Santacruz (guitarra), Emanuel Filgueira (baixo) e David Gonzalez (bateria) não deram espaço para descanso e colocaram a casa a baixo. Vivendo uma nova fase em sua carreira cantando em português, a pesada linha de baixo de A Consequência da verdade foi responsável por abrir a pancadaria. Sem tempo para o respiro, do EP Warship (2013) veio na sequência My Freedom. Precedida por latidos em uníssono do público – que se repetiu entre uma música e outra ao longo de todo o show –, Milton anunciou The Underdog do excelente álbum Resistance (2016) – do qual também foram executadas, Sober, Resistance e Miles and Miles Away.

Seguindo com o rolo compressor, a banda, sem dó nem piedade, despejou toda a fúria e indignação em forma de peso e críticas sociais. Na ativa desde 2010, em seu setlist a banda abrangeu toda a sua carreira. Além da agressividade das músicas em inglês de Resistance (2016) e Warship (2013) já mencionadas, tocaram também a super rápida Get up and Try Again e Still Strong de The Way back Home (2012) e Power of Change e Refuse 2 Sink de Waves of Hope (2014). Completaram o set algumas músicas cantadas em português dos recentes EPs lançados pela banda de 2021 para cá.

De Existência (2021) agitaram os moshs, circles pits e stage diving da noite Ronin, Miragem e Existência. De Tempo (2022) fizeram a alegria dos presentes O que você procura aqui? e a pesadíssima e dona de um refrão que não sai da cabeça, Todos os olhos em mim. Do mais recente lançamento, Dualidade (2023), fizeram parte do show (Des)obedecer e Entre a Guerra e a Paz. Ainda teve espaço para, entre uma música e outra, improvisarem uma singela lembrança à banda, também de Santos, Charlie Brown Jr., com a intro reggae de Zóio de Lula.

BABYSIDE KINGS


Impressionou a atitude e energia do frontman Milton, comandando o público, proferindo algumas palavras de ordem contra as opressões e chamando os mais tímidos para frente. Assim, com a intensidade lá no alto do início ao fim, nem as grades na frente do palco foram empecilho para a troca de energia entre público e banda, tão comum nos shows de hardcore. Em um dos momentos mais marcantes, o próprio vocalista desceu na grade e depois para o meio da galera, no meio do circle pit. Momento de muita interação entre público e banda, especialmente, entre o vocalista e os fãs mais empolgados, que dividiram o vocal e cantaram a plenos pulmões as músicas executadas pela banda. Um show memorável!

Um breve intervalo para o público tomar um ar. Enquanto isso, rapidamente o staff ia terminando de organizar o palco para a atração que fecharia a celebração HC daquela noite, o show da Dead Fish em sua turnê “Dead Fish - Tour 2023”. Com uma extensa carreira com 14 álbuns e diversos registros ao vivo lançados, muita estrada rodada e diversos shows realizados no Brasil e no exterior, a banda de Vitória, Espírito Santo, foi muito bem recebida pelo público que lotava a casa. Assim, aproximando-se a hora do início do show, os presentes começaram a entoar o tradicional e caloroso “Ei Dead Fish, vai tomar no c*” – repetido mais algumas vezes durante a noite. Por volta da meia noite, rompe os gritos do público a voz de Rodrigo Lima que invade os PAs com o grito “Hoje é o dia da revolução/[...]/Você está sozinho/Pronto...para sujar as mãos” de A Urgência, seguido pela pancadaria sonora que deu início ao caos organizado de moshs e stage divings.

DEAD FISH


Em uma sequência de tirar o fôlego, a banda – atualmente formada por Rodrigo e os paulistas Marcos Melloni (bateria), Ricardo Mastria (guitarra) e Igor Tsurumaki (baixo) – executou mais duas faixas do importante disco Zero e Um (2004), Tão iguais e Queda Livre. Sem pausa, com o baixo no comando, deram continuidade à apresentação a música-crônica da vida de estrada da banda, a pesada e empolgante Asfalto, a primeira canção de Contra Todos (2009) executada na noite.

Pulando de um lado para o outro do palco, em aéreos e pontapés e girando o cabo do microfone reforçado com fita, interagindo com o público desde o início como de costume, com a energia lá no alto, Rodrigo e a banda dão início à sequência de músicas que lembraram que o show, além de celebrar os 32 anos de carreira da banda, também encerrava a turnê do icônico álbum Ponto Cego (2019). Cantado a plenos pulmões pelo público o “Sim, foi golpe...” do início de Sangue nas Mãos abriu a intensa trinca de músicas deste disco, completada por Sombras da Caverna e Não termina assim. Uma atrás da outra, as únicas músicas desse registro executadas movimentaram o público, com alguns fãs mais animados subindo na grade e no palco para cumprimentarem Rodrigo, cantarem junto e – óbvio – pularem no agitado aglomerado de gente que se espremia na frente do palco, um tapete de gente.

Após tocar os registros mais atuais, a banda seguiu transportando a todos por uma viagem no tempo com a execução da rápida Sobre a violência do clássico Sonho Médio (1999) – que teve Mulheres Negras e a faixa-título também executadas –, seguida pela única música de Vitória (2015), Selfegofactóide, e pelo hit Zero e Um.

Rodrigo seguiu o show, falou da importância de BH para a carreira da banda e entre uma música e outra teceu críticas à injustiça social que impera no país e no mundo. Em um momento ímpar do show, ele falou da diferença de tratamento midiático dado ao povo da Palestina, quem vem sendo continuamente desumanizada e oprimida pelo Estado de Israel, e atualmente vem sendo massacrada por incessantes bombardeios. Em outro momento do show, alguém do público presenteou o vocalista com uma camisa da seleção palestina, que a vestiu e seguiu cantando com ela até terminar a música. Necessário, Rodrigo segue lembrando a dimensão política que marca o HC e mostrando que o palco também é lugar de gritar por justiça.

DEAD FISH


Na segunda metade do show, a singular Old Boy – a única de Um homem só (2006) – foi seguida por uma sequência de mais 10 músicas, que fizeram o Mister Rock esquentar ainda mais e parecer pequeno com tanta gente se divertindo junto, com uma troca de energia entre banda e público impressionante, incluindo um stage diving de Rodrigo no fim do show. Dessa sequência de músicas, destaque para Contra todos, Você, Venceremos, Bem-vindo ao clube e, as duas do álbum Afasia (2001), Proprietários do Terceiro Mundo e Afasia. Ao fim, desmanchando em suor e sorrisos de satisfação, os presentes puderam ter a certeza de presenciado mais um show histórico da banda na capital mineira. A banda deixou seu recado com maestria e lembrou a todos da nova fase que está por vir com o próximo lançamento da banda para 2024, o full length Labirinto da memória.

O que inicialmente foi anunciado pelos organizadores como um “pocket” show com essa entidade do hardcore brasileiro junto com Bayside Kings, tornou-se, mais que shows, uma noite de celebração do hardcore nacional em Belo Horizonte, com a presença de mais duas bandas locais de HC, o que só enriqueceu a noite para todo mundo. Enfim, com uma diversidade de estilos, o evento entregou shows viscerais que ficarão nas boas lembranças dos que puderam estar presentes no Mister Rock naquele sábado.