Por Ramon Teixeira (@ramonsteixeira) e Thiago Pena (@pena.th)
Fotos de Felipe Cavaliere (@felipe_cavalieri)
DEAD FISH |
Antes
marcados para acontecerem em Contagem-MG, devido a complicações com o espaço
para a realização dos shows no município, os shows aconteceram em Belo Horizonte, no Mister
Rock, uma das casas mais famosas e bem estruturadas para receber shows de
música pesada na capital, localizada na Avenida Teresa Cristina, bairro Prado.
Com
os portões abertos desde as 20:00, ao chegar, notava-se uma aglomeração na
avenida e uma fila para entrar que ia começando a se avolumar. Devido à
proximidade com a celebração do Halloween (31 de outubro), o Mister Rock
promovia nas proximidades o “Halloween Mister Rock”, uma festa à fantasia
regada ao som de uma série de bandas cover de rock e metal. Então foi interessante
notar, além do público para os shows de hardcore promovidos pelos organizadores
do tradicional festival Bloco dos Camisa Preta, um trânsito de pessoas diversamente
fantasiadas com temas de horror nas proximidades, na chegada e na saída.
LAST WARNING |
Lá dentro, o público começava a encher a casa. Evento marcado pela pontualidade, às 20:30, a frente do palco já se reunia uma galera para apreciar o primeiro show da noite, a cargo da banda Last Warning. Surgida de um novo fôlego dos tempos que BH borbulhava bandas de hardcore em suas mais variadas vertentes, em especial influenciadas pelo NYHC mais agressivo, que fomentou uma cena local bem no início dos anos 2000, a banda – fundada em 2012 – conta com um tempero thrash/death metal, que contaminou praticamente tudo que surgiu de som pesado dos anos 80 em diante na região, incluindo as bandas de hardcore nativas. Hoje formada por Jonatan Maxwell (vocal), Rafael Rubinger e Filipe Guimarães (guitarras), Carlos Ziviani (baixo) e Paulo Giordane (bateria), a banda entregou um verdadeiro banquete para quebrar o maxilar e encher de hematoma os presentes.
O
início do show, ao som da base suave de Money
Trees de Kendrick Lamar, foi o prenúncio da pancadaria que estava
por vir. Assim, baseando sua apresentação no álbum The Age of Death
(2019), a música Evil Ways
foi executada sem piedade, com um instrumental cravadíssimo, pesando toneladas e
com o vocal áspero e escarrado de Jonatan. Clima tenso, num crescente,
intercalando velocidade e pancadaria, destaque para o final, com um bate-cabeça
insano com um jogo de primeira e segunda guitarra que pegou todo mundo na
curva.
Faithless veio na sequência
com a cozinha de Paulo e Ziviani puxando uma cadência “cremosa” para ir abrindo
a roda, seguida dos riffs thrash das guitarras que reforçaram o recado e armaram
o caos. Gritaria enquanto os solos cheios de reverb iam costurando a
montanha russa de velocidade e groovies carregados de bateria e baixo.
Felipe completa a cena com seu vocal rouco e raivoso, bem na linha Obituary.
Num fade-out lento a pancadaria cedeu lugar para Am I all alone? Do começo ao fim, embaladas por um frenesi
perturbador das guitarras, várias pauladas na cabeça.
Anunciando
as novas faixas, o pau na máquina seguiu com Facedown – single
lançado esse ano –, que pisoteou sem dó o público. Destaque para os vocais de
Jonatan e Felipe que iam se espiralando ao longo da música – elemento bastante
usado nas composições anteriores, mas com uma simbiose bem maior desta vez. No
trecho final, algumas cabeças no público ajudaram no gang-vocals em “Think and take a side... There’s just one right side”. Coisa
linda de se ver e ouvir! Dando sequência às novidades, Cold hands foi um atropelo. Pegada
NYHC reta e pulsante que te tranca no mosh e joga a chave fora. Destaque para o
final que conta com uma levada instrumental surpreendente, aquele frenesi das
guitarras reaparecem embalando a pancadaria para travar de vez o maxilar, a
ponto de quase quebrar os dentes.
Em
meio ao pesado setlist, teve espaço para uma homenagem ao Sepultura. Do
álbum Chaos A.D. (1993) escolheram a excelentíssima Slave New World, uma síntese de vários
elementos que a banda carrega como inspiração. Com um tom de suspense Eye for an eye deu continuidade ao
baile com aquela rufada charmosa na caixa para explodir em mosh na sequência. Demonstrando
ao longo de todo o show maneiras sagazes de fundir HC com metal, a banda
encerrou a sessão de socos na costela com Dead inside que, com uma
levada insana de bateria e um groove grosseiro, triturou o que sobrou dos que se aventuraram pelos moshs.
MONTESE |
Contrastando com o peso do hardcore punk
de minutos atrás, na sequência, cumprindo o horário à risca, mais uma banda de
BH. Assim, às 21:30 subiu ao palco a banda de hardcore melódico Montese.
Com influências de bandas como Hot Water Music, Millencolin e
Noção de Nada, a banda nascida em 2011 e atualmente formada pelo
vocalista Victor da Mata, os guitarristas Guga Neves e Rodrigo Porto, o
baterista Diogo Melchior e pelo baixista recém apresentado ao público, Bruno
Retes, baseou seu show nas canções do EP Esboço (2012) e do disco
cheio Quando me encaro de frente (2014). Assim, Victor comandou o
show com sua voz e carisma e colocou os presentes para agitarem e cantarem os
coros e refrãos de Lutar contra a maré, Pilar, Velho
Mártir, Quadros e versos, Lembranças de um
Solstício, Quando me encaro de frente e Chá.
Chamou a atenção o entusiasmo de Guga, que
ia costurando os riffs hardcore melódico de Rodrigo com seus solos, adicionando
(em alguns momentos com a ajuda de Rodrigo) camadas aos vocais de Victor com
seus backing vocals, além de manter o olhar atento ao público, interagindo do
início ao fim. A cozinha da banda com o novo baixista também não deixava a
desejar. Com refrãos que grudam na cabeça, integrantes em perfeita sincronia, a
banda manteve os presentes aquecidos e sem deixar a energia baixar para os
próximos shows. Completou o setlist o excelente single lançado em 2018 Trago,
além de duas canções sem registros de estúdio, Nada e Silêncio.
Em resumo, um show certeiro em que souberam aproveitar o curto espaço de tempo
para agradar os fãs e apresentar um ótimo cartão de visita para quem ainda não
os conhecia.
BABYSIDE KINGS |
Às 22:30 foi vez da Bayside Kings comandar
o baile. Com um hardcore que mais parece um tanque de guerra, os underdogs santistas
Milton Aguiar (vocal), Matheus Santacruz (guitarra), Emanuel Filgueira (baixo) e
David Gonzalez (bateria) não deram espaço para descanso e colocaram a casa a
baixo. Vivendo uma nova fase em sua carreira cantando em português, a pesada linha de
baixo de A Consequência da verdade foi responsável por abrir
a pancadaria.
Sem tempo para o respiro, do EP Warship (2013) veio na sequência
My Freedom. Precedida por latidos em uníssono do público –
que se repetiu entre uma música e outra ao longo de todo o show –, Milton
anunciou The Underdog do excelente álbum Resistance
(2016) – do qual também foram executadas, Sober, Resistance
e Miles and Miles Away.
Seguindo com o rolo compressor, a banda, sem dó nem
piedade, despejou toda a fúria e indignação em forma de peso e críticas
sociais. Na ativa desde 2010, em seu setlist a banda abrangeu toda a sua carreira.
Além da agressividade das músicas em inglês de Resistance
(2016) e Warship (2013) já mencionadas, tocaram também a super rápida Get
up and Try Again e Still Strong de The Way back
Home (2012) e Power of Change e Refuse 2 Sink de
Waves of Hope (2014). Completaram o set algumas músicas cantadas em português dos
recentes EPs lançados pela banda de 2021 para cá.
De Existência (2021) agitaram os moshs, circles
pits e stage diving da noite Ronin, Miragem e
Existência. De Tempo
(2022) fizeram a alegria dos presentes O que você procura aqui?
e a pesadíssima e dona de um refrão que não sai da cabeça, Todos os olhos
em mim. Do mais recente lançamento, Dualidade (2023),
fizeram parte do show (Des)obedecer e Entre a Guerra e a Paz.
Ainda teve espaço para, entre uma música e outra, improvisarem uma singela lembrança
à banda, também de Santos, Charlie Brown Jr., com a intro reggae de Zóio
de Lula.
BABYSIDE KINGS |
Impressionou a atitude e energia do frontman Milton,
comandando o público, proferindo algumas palavras de ordem contra as opressões
e chamando os mais tímidos para frente. Assim, com a intensidade lá no alto do
início ao fim, nem as grades na frente do palco foram empecilho para a troca de
energia entre público e banda, tão comum nos shows de hardcore. Em um dos
momentos mais marcantes, o próprio vocalista desceu na grade e depois para o
meio da galera, no meio do circle pit. Momento de muita interação entre público
e banda, especialmente, entre o vocalista e os fãs mais empolgados, que
dividiram o vocal e cantaram a plenos pulmões as músicas executadas pela banda.
Um show memorável!
Um breve intervalo para o público tomar um ar. Enquanto isso,
rapidamente o staff ia terminando de organizar o palco para a atração que
fecharia a celebração HC daquela noite, o show da Dead Fish em sua turnê
“Dead
Fish - Tour 2023”. Com uma extensa carreira com 14 álbuns e diversos registros ao vivo
lançados, muita estrada rodada e diversos shows realizados no Brasil e no
exterior, a banda de Vitória, Espírito Santo, foi muito bem recebida
pelo público que lotava a casa. Assim, aproximando-se a hora do início do show,
os presentes começaram a entoar o tradicional e caloroso “Ei Dead Fish, vai
tomar no c*” – repetido mais algumas vezes durante a noite. Por volta da meia
noite, rompe os gritos do público a voz de Rodrigo Lima que invade os PAs com o
grito “Hoje é o dia da revolução/[...]/Você está sozinho/Pronto...para sujar as
mãos” de A Urgência, seguido pela pancadaria sonora que deu
início ao caos organizado de moshs e stage divings.
DEAD FISH |
Em uma sequência de tirar o fôlego, a
banda – atualmente
formada por Rodrigo e os paulistas Marcos Melloni (bateria), Ricardo
Mastria (guitarra) e Igor Tsurumaki (baixo) – executou mais duas faixas
do importante disco Zero e Um (2004), Tão iguais e
Queda Livre. Sem pausa, com o baixo no comando, deram
continuidade à apresentação a música-crônica da vida de estrada da banda, a
pesada e empolgante Asfalto, a primeira canção de Contra
Todos (2009) executada na noite.
Pulando de um lado para o outro do palco,
em aéreos e pontapés e girando o cabo do microfone reforçado com fita, interagindo
com o público desde o início como de costume, com a energia lá no alto, Rodrigo
e a banda dão início à sequência de músicas que lembraram que o show, além de
celebrar os 32 anos de carreira da banda, também encerrava a turnê do icônico
álbum Ponto Cego (2019). Cantado a plenos pulmões pelo público o
“Sim, foi golpe...” do início de Sangue nas Mãos abriu a intensa trinca
de músicas deste disco, completada por Sombras da Caverna e Não
termina assim. Uma atrás da outra, as únicas músicas desse registro executadas
movimentaram o público, com alguns fãs mais animados subindo na grade e no
palco para cumprimentarem Rodrigo, cantarem junto e – óbvio – pularem no
agitado aglomerado de gente que se espremia na frente do palco, um tapete de
gente.
Após tocar os registros mais atuais, a banda
seguiu transportando a todos por uma viagem no tempo com a execução da rápida Sobre
a violência do clássico Sonho Médio (1999) – que
teve Mulheres Negras e a faixa-título também executadas –,
seguida pela única música de Vitória (2015), Selfegofactóide,
e pelo hit Zero e Um.
Rodrigo seguiu o show, falou da
importância de BH para a carreira da banda e entre uma música e outra teceu
críticas à injustiça social que impera no país e no mundo. Em um momento ímpar
do show, ele falou da diferença de tratamento midiático dado ao povo da
Palestina, quem vem sendo continuamente desumanizada e oprimida pelo Estado de
Israel, e atualmente vem sendo massacrada por incessantes bombardeios. Em outro
momento do show, alguém do público presenteou o vocalista com uma camisa da
seleção palestina, que a vestiu e seguiu cantando com ela até terminar a música.
Necessário, Rodrigo segue lembrando a dimensão política que marca o HC e mostrando
que o palco também é lugar de gritar por justiça.
DEAD FISH |
Na segunda metade do show, a singular Old
Boy – a única de Um homem só (2006) – foi seguida por uma
sequência de mais 10 músicas, que fizeram o Mister Rock esquentar ainda mais e
parecer pequeno com tanta gente se divertindo junto, com uma troca de energia
entre banda e público impressionante, incluindo um stage diving de Rodrigo no
fim do show. Dessa sequência de músicas, destaque para Contra todos,
Você, Venceremos, Bem-vindo ao clube
e, as duas do álbum Afasia (2001), Proprietários do
Terceiro Mundo e Afasia. Ao fim, desmanchando em suor e
sorrisos de satisfação, os presentes puderam ter a certeza de presenciado mais um
show histórico da banda na capital mineira. A banda deixou seu recado com
maestria e lembrou a todos da nova fase que está por vir com o próximo
lançamento da banda para 2024, o full length Labirinto da memória.
O que inicialmente foi anunciado pelos
organizadores como um “pocket” show com essa entidade do hardcore brasileiro junto
com Bayside Kings, tornou-se, mais que shows, uma noite de celebração do
hardcore nacional em Belo Horizonte, com a presença de mais duas bandas locais
de HC, o que só enriqueceu a noite para todo mundo. Enfim, com uma diversidade
de estilos, o evento entregou shows viscerais que ficarão nas boas lembranças
dos que puderam estar presentes no Mister Rock naquele sábado.